Quando eu e minha esposa trabalhavamos como tradutores, muitas vezes fazíamos acompanhamento de autoridades. Já trabalhavamos há algum tempo para a embaixada americana em Brasília, acompanhando dignatários, diplomatas e políticos americanos em missão ao Brasil. Uma destas visitas foi de um congressista americano. Durante a visita dele aos órgãos do governo brasileiro, ele tinha marcada uma audiência com o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães.
Neste dia eu estava em dupla com outro tradutor e a cada reunião, eu ficava mais nervoso em ter que traduzir para o ACM. Para aqueles que não sabem, as regras de etiqueta do Itamaraty e da diplomacia em geral rezam que um dignatário deve sempre falar no idioma do país que representa, mesmo sendo fluente no idioma do visitante, usando um tradutor. Pois bem, chegando na sala de audiência do presidente do senado, nos deparamos com um sofá de dois lugares de um lado, com duas poltronas, uma de cada lado, e do lado oposto um semi-círculo de cadeiras. Ficou claro que o sofá seria para ACM, as poltronas para os tradutores e as cadeiras para a comitiva do congressista. Como de costume, o embaixador americano acompanhava o congressista e sua comitiva em suas visitas. O embaixador na época já estava no cargo há algum tempo e eu já o conhecia de diversos outros trabalhos.
Entramos no salão, cada um em seu lugar, e aguardamos a chegada do presidente do senado. Eu me posicionei diante de uma das poltronas, a da esquerda do sofá do ponto de vista dos visitantes, e o outro tradutor, na outra poltrona. A comitiva visitante aguardava em pé diante das cadeiras, com o congressista no centro e na ponta diretamente a minha frente, o embaixador. Então entra ACM.
Eu já havia traduzido para várias pessoas importantes, imponentes e intimidadoras, mas a melhor palavra para descrever o que eu senti ao ver ACM se aproximando, um homem alto, corpulento e com uma expressão de autoridade no rosto, francamente, foi medo. A presença dele é assustadora. Neste momento, eu entendi tudo o que falavam dele, do respeito que todos tinham por ele. Eu acho que todos tinham medo!!!
Pois bem, ele entra, se dirige ao semi-círculo de visitantes, cumprimenta um por um com um firme aperto de mão e se dirige ao sofá. Imediatamente comecei a rezar para ele sentar do outro lado, perto do outro tradutor, e não do meu lado! Assim que poderia ficar em segundo plano, parte da mobília, longe das atenções e, especialmente, do ACM! Mas claro, como minha sorte sempre me ajuda, ele sentou do lado esquerdo do sofá! Com o coração disparado, suando apesar de não estar calor e com uma falta de ar, cumprimentei ACM e me apresentei. Com uma calma incomparável e um ar muito amistoso, ele respondeu que era um prazer me conhecer e me agradeceu por meu trabalho!!! Bom, o medo passou. Por enquanto. Ele até que foi simpático! Acho que ele notou meu nervosismo e resolveu me acalmar antes que eu começasse a gaguejar!
Bom, daí começou o vai e vem de perguntas, respostas, declarações e informações. Logo o assunto mudou para navegação de cabotagem, um dos assuntos mais discutidos na época. Aparentemente, ACM não gostou muito desta mudança de assuntos e sua expressão mudou. O simpático olhar, com ar de superioridade, mudou para um de aborrecimento, como se tivessem atingido um nervo. Quando o congressista perguntou sobre o assunto, ele pôs a mão no meu braço, que estava no braço da poltrona, olhou para mim, ao invés de olhar para os visitantes, e falou muito seriamente algo como “Diga para ele que isso não diz respeito aos Estados Unidos. Isso é um problema interno brasileiro.”
Silêncio absoluto na sala. Meu coração voltou aos 190 batimentos por minuto. Eu pensei mais rápido que qualquer computador no mundo numa tradução apropriada para isso. Por um lado, se eu traduzisse ao pé da letra, poderia causar um incidente internacional. Por outro, se não traduzisse como ele disse, eu poderia sofrer a ira do ACM, que falava inglês fluentemente. O que fazer? Bom, usei de todo o meu inglês, com as palavras mais polidas que encontrei, respondi “His excelency says that is a matter internal to Brazilian affairs and should not concern his honarable guests.” Notem que eu atribuí a fala ao ACM, me insentando de qualquer responsabilidade! Com isso, olhei para o embaixador, que, com a mão sobre a boca, estava contendo o riso! Pensei comigo mesmo, “Filho da ****. Ele tá rindo de mim!” Ainda bem que me sai bem dessa. E ele entendeu tudo e estava rindo de como eu estava suando frio, intimidado pelo ACM!
Bom, o resto da visita foi mais tranquila e quando saímos da sala, eu fui imediatamente ao banheiro tentar enxugar a camisa do terno antes de continuar!!! Depois de meu encontro com ACM, os repórteres do lado de fora, tentando obter informações de mim pareciam coelhinhos inofensivos em comparação.